Foto: Reprodução/Instagram/@carlinhos
Penedo, Alagoas, é banhada por um sol que parece abençoar a cidade histórica. Um sol que viu nascer Carlinhos Maia, o fenômeno, o “Rei do Instagram”, o cara que transformou a vida simples de sua vila em um império de engajamento. Mas, como em toda história com muito sol, há sempre uma sombra. E a de Carlinhos, ultimamente, tem se mostrado longa, escura e com um forte cheiro de desdém.
A última cartada do influenciador, transmitida diretamente de seu “Rancho” – uma espécie de Coliseu digital para subcelebridades em busca de relevância –, não foi uma dancinha, nem uma briga roteirizada por um iPhone. Foi um “quadro humorístico”. E as aspas aqui são tão necessárias quanto um colete em um tiroteio.
A piada da vez? Religiões de matriz africana.
Em uma encenação que faria o mais sem noção dos roteiristas ficar envergonhado, vimos um espetáculo de desrespeito fantasiado de entretenimento. Participantes vestidos de branco, simulando rituais sagrados como banho de folhas e jogo de búzios, transformaram a fé alheia em um circo de horrores para milhões de seguidores. O clímax do mau gosto veio na voz de um dos “convidados”, que, ao ser abordado para uma “consulta”, bradou sua fé cristã como um escudo e uma arma: “esse negócio não vem pro meu lado que eu dou um tapa e você voa longe”.
Repreendido estava, de fato, o bom senso. A cena não era apenas ignorante; era um soco no estômago de cada pessoa que já teve sua crença ridicularizada, seu terreiro apedrejado, sua guia arrancada do pescoço. Era a intolerância religiosa, crua e filmada, servida como pão e circo para as massas digitais.
Eis que entra em cena Anitta. A cantora, que nunca escondeu sua fé no Candomblé e que já sentiu na pele o peso do preconceito, fez o que se espera de alguém com sua plataforma: agiu. Silenciosamente, ela apertou o botão “deixar de seguir”. Um gesto simples, mas com o peso de uma declaração de guerra no universo das aparências onde Maia construiu seu reinado.
A resposta do anfitrião do rancho não tardou. Em vez de uma reflexão, uma retratação, um pingo de humildade, o que vimos foi a arrogância de quem se acostumou a não ser contrariado. Carlinhos chamou Anitta de “chata”. Disse que ela “está se levando a sério demais”.
É uma linha de raciocínio curiosa. Para Maia, a defesa de uma fé, o repúdio a um ato de intolerância que ridiculariza a ancestralidade de milhões de brasileiros, é “se levar a sério demais”. Talvez, para quem vive em uma bolha de autocelebração, onde tudo é conteúdo e a polêmica é apenas mais uma métrica de engajamento, a dor real do outro seja mesmo um conceito abstrato, uma chatice.
O episódio do “Rancho do Maia” não é um ponto fora da curva. É o sintoma de uma era onde a influência é medida em números, e não em responsabilidade. Onde a busca incessante por conteúdo “engajável” atropela o respeito, a empatia e a decência. Fazer piada com a fé alheia não é ousadia, não é “humor ácido”. É um desserviço. É validar o preconceito. É dizer para o agressor que ele tem razão em ridicularizar o que não compreende.
O sol de Penedo continua a nascer todos os dias. Mas a sombra projetada pelo seu filho mais famoso revela um lado do Brasil que insiste em não evoluir: aquele que ainda confunde desrespeito com piada e intolerância com opinião. E isso, caro Carlinhos, não tem a menor graça. É só triste. E perigoso.