As Origens da Umbanda e Kimbanda - Casa de Exu Capa Preta

As origens da umbanda e kimbanda – Parte 1

A África ancestral no coração do Brasil

A história do Brasil é intrinsecamente ligada à África, um continente de vastas culturas, saberes e espiritualidades que moldaram profundamente a identidade nacional. Entre os diversos povos africanos que foram forçadamente trazidos para as Américas, os grupos de língua Bantu, e em particular os Bakongo, desempenham um papel central e muitas vezes subestimado na formação cultural e espiritual brasileira. Esta jornada histórica e cultural tem como objetivo desvendar as profundas raízes da tradição Bantu Bakongo, sua cosmovisão singular e sua influência inegável nas religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e a Kimbanda.

A compreensão da cosmovisão Bakongo é fundamental para apreender as bases espirituais dessas manifestações religiosas no Brasil, transcendendo interpretações superficiais. Este texto serve como uma base para aulas sobre a Umbanda raiz e a Kimbanda, buscando desmistificar a ideia de que essas religiões surgiram de um ponto único no tempo, como o associado a Zélio Fernandino de Morais. Pelo contrário, o propósito é valorizar a ancestralidade africana, demonstrando que o que hoje se conhece como Umbanda e Kimbanda é, de fato, algo ancestral, que já pulsava nas antigas Macumbas Cariocas. Zélio Fernandino de Morais, neste contexto, é visto como uma ferramenta que, ao tornar essas práticas mais acessíveis a grupos brancos e desmarginalizá-las, inadvertidamente contribuiu para o apagamento de grande parte de sua essência negra e ancestral. O foco primordial é a visão africana, traçando uma cronologia que conecta as origens milenares na África à diáspora e à contemporaneidade brasileira.

As raízes profundas: Origens e expansão dos Bantu

A história dos Bantu é uma das mais fascinantes e abrangentes do continente africano, marcando a paisagem cultural e linguística de vastas regiões subsaarianas.

A grande migração Bantu: Cronologia e características

A expansão Bantu não foi um evento singular, mas um longo e contínuo processo migratório que se estendeu por milênios. Iniciando-se por volta de 1000 a.C. nas regiões que hoje correspondem à Nigéria e Camarões, esse movimento se propagou gradualmente para o sul e o leste da África, cobrindo extensas áreas ao longo dos séculos. A antropologia descreve essa expansão como a dispersão das línguas Bantu por praticamente toda a África subsaariana ao longo de três milênios.

A natureza dessa expansão é particularmente notável: não se deu por meio de um império centralizado ou de uma dominação militar impositiva. Em vez disso, foi um processo gradual de expansão e assimilação sociocultural. Essa forma de difusão cultural, mais orgânica e persistente do que a conquista militar, permitiu que os padrões culturais e linguísticos Bantu se enraizassem profundamente em diversas regiões sem a necessidade de um centro político visível e unificado. Essa “força silenciosa” de difusão explica a ubiquidade dos elementos culturais Bantu em toda a África subsaariana e, subsequentemente, na diáspora, estabelecendo um alicerce profundo para as culturas que se seguiriam.

Os estudos sobre as origens dos Bantu apontam para duas teorias principais: Joseph Greenberg (1963) sugeriu que um grupo de línguas do sudeste da Nigéria era o mais próximo das demais línguas Bantu, propondo que uma delas se espalhou para o sul e leste. Malcolm Guthrie, por sua vez, analisou diversas línguas Bantu e concluiu que as mais estereotípicas eram as da Zâmbia e do sul da atual República Democrática do Congo, sugerindo esta como a região de origem. Independentemente da localização exata do “berço”, a agricultura constituiu a base econômica e de sustento para quase todos os trezentos grupos étnicos que compartilham diversas línguas de origem “Bantu”, ao lado da caça e da pesca.

O berço dos proto-bantu e a diversidade linguística e étnica

Os “protobantos” teriam surgido em regiões que hoje compreendem a Nigéria e Camarões, especificamente na área do médio Bénoué e do Chade, ao sul do Deserto do Saara. A vastidão dessa dispersão resultou em uma impressionante diversidade linguística e étnica, com estimativas atuais apontando para cerca de 300 grupos étnicos e 1500 línguas derivadas do tronco Bantu. O contato com outras culturas, como a chegada do cristianismo e do islamismo, também ocasionou fusões linguísticas, a exemplo do Lingala, que incorporou termos da língua francesa.

A perspectiva de um “tempo profundo” na história Bantu, que remonta a milênios antes da era comum, é crucial. Essa cronologia contrasta fortemente com a formalização relativamente recente da Umbanda no século XX. Ela destaca que as raízes dessas tradições são antigas e profundamente inseridas na história da humanidade, não sendo meras reações ao colonialismo ou sínteses modernas. Essa profundidade temporal valida a reivindicação de ancestralidade da Umbanda e da Kimbanda, posicionando-as como continuações de práticas espirituais africanas milenares e desafiando narrativas eurocêntricas que frequentemente limitam a história africana ao período de contato colonial.

Cronologia da Expansão Bantu e Formação do Reino do Kongo

  • 2000-1500 a.C.: Origem e início da Expansão Bantu nas regiões da atual Nigéria e Camarões (médio Bénoué e Chade). Este período marca o início da dispersão linguística e cultural dos povos Bantu pela África Subsaariana.
  • 1500 a.C.: Separação inicial da expansão Bantu na África Subsaariana, dividindo-se em ramos Oriental e Ocidental, o que marcou a diversificação dos grupos.
  • 500 a.C.: Formação de um núcleo no Congo, que se tornaria um centro cultural e populacional e daria origem ao Reino do Kongo.
  • Século XIV (1390 d.C): Fundação do Reino do Kongo na região dos atuais Angola, República Democrática do Congo, República do Congo e Gabão. Tribos congolesas se uniram sob a liderança de Nímia Luqueni, consolidando um estado centralizado. Os fundadores foram Nimi a Nzima de Mpemba Kasi e Nsaku Lau de Mbata, com Lukeni lua Nimi (c. 1380-1420 AD), filho de Nimi a Nzima, tornando-se o primeiro rei e declarando Mbanza Kongo a capital.
  • Século XV: Início do contato com os Portugueses no Reino do Kongo, marcando o começo de relações diplomáticas e comerciais, mas também da escravidão transatlântica. Em 1491 AD, o rei Nzinga a Nkuwu (João I) se converteu ao catolicismo.
  • Século XVI: Conversão do Manicongo ao Catolicismo em M’Banza Congo (São Salvador), resultando em sincretismo religioso e influência europeia na estrutura política e cultural. Afonso I (Mvemba a Nzinga), filho de João I, reinou de 1509 a 1542/1543 AD, sendo um fervoroso católico que buscou integrar instituições portuguesas e expandir o reino.
  • 1678: Abandono de M’Banza Congo como consequência das guerras civis, marcando um período de instabilidade.
  • 1704: Kimpa Vita repopula São Salvador, reafirmando o papel espiritual e político da capital por meio de um movimento de resistência.
  • 1914: Abolição da monarquia do Reino do Kongo em Angola, com o governo português encerrando a linhagem real e reduzindo o rei a uma figura simbólica.
  • 1975: Abolição definitiva dos títulos reais em Angola, com o governo socialista encerrando formalmente todos os títulos monárquicos.

Por hoje é só, daremos continuidade a esta rica história em um próximo artigo.

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