Rainha Nzinga Mbandi - Casa de Exu Capa Preta

As origens da umbanda e kimbanda – Parte 3

Neste texto, daremos continuidade as origens da umbanda e kimbanda, seguindo com grandes nomes que por vezes não são lembrados por muitos e seus feitos.

Resistência e Legado: Figuras históricas de luta na África

A história dos povos Bantu e Bakongo é pontuada por figuras de notável resistência, que lutaram contra a opressão e moldaram o destino de suas nações, deixando um legado duradouro que ecoaria nas Américas.

Rainha Nzinga Mbandi

Nzinga Mbandi (1582-1663), também conhecida como Rainha Jinga ou Dona Ana de Souza, foi uma soberana destemida dos reinos de Ndongo e Matamba, na atual Angola. Ela se destacou como combatente, estrategista militar exímia e diplomata astuciosa, liderando pessoalmente seu exército até os 73 anos de idade. Sua figura era tão respeitada pelos portugueses que Angola só foi dominada após sua morte, aos 81 anos.

A relação de Nzinga com os portugueses foi complexa e marcada por manobras políticas. Em 1622, ela foi enviada a Luanda para negociar um tratado de paz, período em que recebeu o batismo católico e o nome cristão de Ana de Souza. No entanto, após assumir o trono, ela descumpriu o tratado e o pacto cristão, bloqueando rotas de comércio para Luanda e liderando uma guerra contra os portugueses de 1630 a 1656. Nzinga e Kimpa Vita, embora em épocas diferentes, demonstraram uma capacidade de interagir com o catolicismo não como conversas passivas, mas como estratégias. Nzinga usou o batismo como ferramenta diplomática e depois rompeu acordos cristãos. Essa apropriação e reinterpretação da religião do colonizador para servir a objetivos políticos e espirituais indígenas é um precursor do sincretismo nas religiões afro-brasileiras, mostrando que a fusão religiosa pode ser uma forma de agência e poder.

Nzinga Mbandi tornou-se uma heroína nacional na luta anticolonial angolana no século XX, com sua memória preservada na tradição oral e na diáspora. No Brasil, sua imagem foi transmitida e celebrada em irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde “rainhas Gingas” são ritualmente coroadas, especialmente em Minas Gerais, Goiás, Bahia, Paraíba e Pernambuco. Seu nome é invocado em rodas de capoeira, maracatus e congadas, e Clementina de Jesus foi apelidada de Rainha Ginga em sua homenagem.

Kimpa Vita (Dona Beatriz)

Kimpa Vita (1684-1706), também conhecida como Dona Beatriz, foi uma profetisa e líder política do Reino do Congo, nascida na alta nobreza congolesa. Ela capitaneou movimentos de reunificação nacional, utilizando características religiosas a partir do movimento cristão “Antonianismo”. Durante uma doença em 1704, Kimpa Vita afirmou ter recebido visões de Santo Antônio de Pádua, alegando ser sua reencarnação e ter uma conexão especial com Deus. Ela afirmava “morrer” todas as sextas-feiras, conversar com Deus no céu e retornar às segundas-feiras em transe espiritual, recebendo a ordem divina de reunir o Congo sob um novo rei para acabar com as guerras civis.

O Antonianismo ensinava que Jesus, Maria e outras figuras cristãs primitivas eram do Reino do Congo e, de fato, congoleses. Kimpa Vita promoveu a iconoclastia, destruindo “ídolos” e símbolos cristãos que considerava desvirtuados, e adaptou a oração católica “Salve Regina” para a “Salve Antonina”, que se tornou um hino do movimento, enfatizando que Deus se preocupava apenas com as intenções dos crentes. Sua formação como “naganga marinda” – uma pessoa capaz de se comunicar com o mundo sobrenatural, ligada ao culto Quimpassi – demonstra sua profunda conexão com as práticas espirituais Bakongo tradicionais, mesmo ao reinterpretar o cristianismo. Essa reinterpretação ativa, que posicionava figuras cristãs como congolesas, ligava diretamente seu movimento a uma cosmovisão Bakongo-cêntrica.

A liderança de Kimpa Vita ilustra a natureza interligada do poder espiritual e político. Ela, uma profetisa, desafiou diretamente os reis e liderou um movimento para repopular a capital abandonada de São Salvador, tornando-se sua governante de fato. Essa profunda conexão entre o poder espiritual e político na África explica por que líderes religiosos e movimentos na diáspora, como os da Umbanda e Kimbanda, frequentemente detinham autoridade comunitária significativa e desempenhavam papéis na resistência e organização social. Isso sugere que a esfera “religiosa” era um local primário para manter a autonomia e desafiar sistemas opressores, perpetuando um padrão ancestral.

Kimpa Vita foi executada na fogueira em 1706. Apesar de seu papel ter sido ignorado por historiadores por quase três séculos, sua influência é bem documentada. Ela é vista como uma figura antiescravista e prefiguração de movimentos modernos de democracia, autodeterminação e nacionalismo na África. O movimento antonianista sobreviveu à sua morte, e sua influência pode ser vista na arte religiosa do Congo do século XVIII, que frequentemente retratava Jesus como africano, e em movimentos posteriores como o Kimbanguismo.

O Impacto da Escravidão no Reino do Kongo e o Início da Diáspora

O contato do Reino do Kongo com os portugueses no século XV, embora tenha iniciado relações comerciais, também introduziu o devastador tráfico transatlântico de escravizados. Esse comércio teve um “impacto prejudicial” na população do Reino do Congo, contribuindo para conflitos internos e pressões externas que levariam ao seu declínio. A região que compreende Angola, a República do Congo, o Gabão e a República Democrática do Congo tornou-se, especialmente a partir do século XVII, uma das principais fontes de pessoas escravizadas para o Brasil.

Figuras Chave da Resistência Bakongo e Afro-Brasileira

Rainha Nzinga Mbandi

  • Período de Atuação: 1582-1663.
  • Origem/Contexto: Reinos de Ndongo e Matamba (Angola).
  • Principal Contribuição/Luta: Liderança militar e diplomática contra a colonização portuguesa; uso estratégico do batismo católico.
  • Legado/Influência: Heroína nacional em Angola; memória preservada na diáspora e em irmandades afro-brasileiras (Rainhas Gingas).

Kimpa Vita (Dona Beatriz)

  • Período de Atuação: 1684-1706.
  • Origem/Contexto: Reino do Congo (norte de Angola).
  • Principal Contribuição/Luta: Liderança do movimento Antonianista, reinterpretando o cristianismo com figuras congolesas; busca pela reunificação do Congo.
  • Legado/Influência: Figura antiescravista e precursora do nacionalismo africano; influência na arte religiosa e no Kimbanguismo.

Princesa Aqualtune

  • Período de Atuação: Chegada ao Brasil c. 1597.
  • Origem/Contexto: Reino do Congo.
  • Principal Contribuição/Luta: Liderança de um grupo de 10 mil homens e mulheres contra invasores na África; fundadora do primeiro núcleo do Quilombo dos Palmares.
  • Legado/Influência: Matriarca e figura central na resistência quilombola; avó de Zumbi dos Palmares.

Ganga Zumba

  • Período de Atuação: 1630-1678 (governo 1670-1678).
  • Origem/Contexto: Reino do Congo (filho de Aqualtune).
  • Principal Contribuição/Luta: Primeiro líder unificador do Quilombo dos Palmares; organizou e expandiu o complexo de mocambos.
  • Legado/Influência: Rei de Palmares, símbolo de organização e resistência política e militar contra a escravidão.

Zumbi dos Palmares

  • Período de Atuação: 1655-1695 (governo 1678-1695).
  • Origem/Contexto: Quilombo dos Palmares (Alagoas, Brasil).
  • Principal Contribuição/Luta: Líder militar e político que rejeitou o acordo de paz com os portugueses, defendendo a liberdade total dos quilombolas.
  • Legado/Influência: Símbolo máximo da resistência negra à escravidão no Brasil; sua morte marcou o fim de Palmares.

Dandara dos Palmares

  • Período de Atuação: Século XVII.
  • Origem/Contexto: Quilombo dos Palmares (Alagoas, Brasil).
  • Principal Contribuição/Luta: Guerreira e estrategista, companheira de Zumbi, que lutou ativamente na defesa de Palmares.
  • Legado/Influência: Símbolo da força e liderança feminina na resistência quilombola, embora sua biografia seja menos documentada.

Benedito

  • Período de Atuação: Final do século XIX (c. 1880).
  • Origem/Contexto: Quilombo de São Mateus (Espírito Santo, Brasil).
  • Principal Contribuição/Luta: Quilombola notório por fugas espetaculares e liderança de comunidades de resistência no Espírito Santo, vivendo como pessoa livre dentro da sociedade escravista.
  • Legado/Influência: Representa a continuidade da resistência quilombola em outras regiões do Brasil, além de Palmares, até o final da escravidão.

Continuamos no próximo artigo.

Compartilhe:
plugins premium WordPress
Logo do WhatsApp