O verdadeiro chamado da espiritualidade não é uma ilusão
Em um ecoar constante que atravessa nosso tempo, a palavra “espiritualidade” ressoa com uma força inédita, especialmente quando vestida com as cores e os mistérios da Umbanda, da Quimbanda e do Candomblé. Um chamado que atrai multidões sedentas por conexão. Contudo, sob o véu sedutor das promessas de ouro e amores instantâneos, a verdadeira essência dessas jornadas sagradas corre o risco de se perder em um labirinto de desejos puramente materiais.
A busca por um templo, por uma casa de axé, deveria ser a celebração de uma alma que anseia por evoluir. E, em muitos corações, ela é. Mas, infelizmente, uma névoa de imediatismo tem turvado essa visão. Vemos um movimento crescente de pessoas que não batem à porta do sagrado em busca de paz, mas em busca de um atalho para a prosperidade financeira. O sustento material é, sim, um pilar para uma vida digna, uma bênção a ser buscada, mas jamais foi e nunca será a fundação sobre a qual se ergue o templo de uma vida espiritual.
A internet, essa janela para o mundo, tornou-se uma vitrine onde o sagrado é, por vezes, vendido como um produto. Cultos espetaculares focados em amarrações amorosas e pactos de riqueza desfilam diante de nossos olhos, ofuscando o brilho do propósito maior: a conquista da paz de espírito, o sagrado equilíbrio entre o ser e o ter, e, acima de tudo, o convite para nos tornarmos versões mais verdadeiras e elevadas de nós mesmos.
E o que significa “tornar-se melhor”? Não se trata de uma santidade passiva, de aceitar o inaceitável ou de apagar os próprios erros como se nunca tivessem existido. A espiritualidade de matriz africana é dinâmica, é fogo que transforma. Ela nos convida a uma evolução consciente, a aprender com cada queda para errar menos, e a compartilhar nossas cicatrizes como mapas para que outros possam encontrar seus caminhos. É sobre entender que a evolução de um é a semente da evolução de todos. No coletivo, nos fortalecemos, nos curamos e, como consequência natural, abrimos as portas para que todas as outras conquistas, inclusive as materiais, fluam em nossa direção.
Para nós, que caminhamos sob a luz e a sombra de Exu e Pombogira, essa verdade é visceral. Eles são os guardiões da realidade nua, os que nos arrancam da zona de conforto e estilhaçam as máscaras que usamos para nos esconder de nós mesmos. Sua missão primordial é nos forçar a encarar nossa própria imagem no espelho, com todas as nossas feridas e “podres”, para que, a partir desse confronto honesto, possamos renascer mais fortes, mais íntegros. Qualquer outra bênção que Eles nos concedam é secundária a essa obra de transformação.
De que adianta, então, ser um corpo presente em um terreiro, seja como consulente ou filho da casa, se a alma está ausente? A vivência espiritual exige entrega. Exige que estejamos ali, inteiros, mesmo em meio às nossas tempestades, com o coração focado na única busca que realmente importa: a nossa própria melhoria. Não se pode pertencer por conveniência, por estética ou porque “está na moda”.
De que vale a frequência em giras e toques se ela for apenas um ato social? Não vale de nada. E a prova disso vem quando o chão treme, quando a vida nos testa. É nesse momento que muitos, por não terem construído alicerces internos, culpam a espiritualidade pela dor, acusam os guias por “permitirem” que o problema acontecesse.
É preciso compreender de uma vez por todas:
- A espiritualidade não ergue muros para que os problemas não o encontrem; ela forja em você a lança e o escudo para enfrentá-los com coragem, para que você os domine, e não o contrário.
- A espiritualidade não lhe entrega um amor de encomenda; ela o ensina a se amar com tamanha profundidade que você se torna capaz de reconhecer e nutrir um amor verdadeiro, que floresce no terreno fértil da aceitação mútua.
- A espiritualidade não imprime dinheiro; ela limpa o seu caminho de obstáculos, aguça sua intuição e fortalece sua sabedoria, para que você mesmo possa enxergar e conquistar as melhores oportunidades, gerando prosperidade como fruto de sua própria evolução.
De que valem assentamentos maravilhosos, casas enormes e uma multidão de seguidores, se o altar do coração permanece vazio, desprovido de compreensão, de comprometimento e da indomável força de vontade?
A espiritualidade não existe para fins materiais. Mas quando o entendimento floresce e o equilíbrio da alma é alcançado, a prosperidade se torna uma consequência inevitável, uma sombra que acompanha a luz.
Basta, por um instante, silenciar o ruído do mundo e ouvir o que a verdadeira espiritualidade sussurra em sua alma. Ela não é a moda que você vê. Ela é a verdade que você é!