Zélio Fernandino de Morais - Casa de Exu Capa Preta

As origens da umbanda e kimbanda – Final

Zélio Fernandino de Morais e o processo de (re)significação da umbanda

A formalização da Umbanda por Zélio Fernandino de Morais é um marco importante em sua história, mas é fundamental analisá-la dentro de um contexto mais amplo de ancestralidade e (re)significação cultural.

A formalização da Umbanda em 1908: Contexto e intenções

A narrativa amplamente aceita da fundação oficial da Umbanda data de 15 de novembro de 1908, quando o jovem médium fluminense Zélio Fernandino de Morais incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas em uma sessão espírita no Rio de Janeiro. No dia seguinte, foi fundada a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. A Umbanda, em sua concepção formal, emergiu como uma fusão de elementos do Catolicismo, religiões africanas (especialmente o Candomblé), espiritismo kardecista e crenças indígenas brasileiras, refletindo a diversidade cultural do país. Seus princípios fundamentais incluem a caridade, a igualdade e a aceitação de todas as formas de expressão espiritual.

A crítica ao “embranquecimento” e apagamento das raízes africanas e negras

Apesar da importância de Zélio na organização e disseminação da Umbanda, uma perspectiva crítica aponta que sua atuação contribuiu para um processo de “embranquecimento” das religiões afro-brasileiras. Essa tentativa de tornar a Umbanda mais “aceitável” à sociedade brasileira e às elites da época levou a um distanciamento das “Macumbas” marginalizadas e, por vezes, a um apagamento das raízes africanas e negras. A narrativa de um “fundador” único e uma data específica, embora útil para a legitimação, obscureceu a existência anterior de uma vasta gama de cultos afro-brasileiros.

Existe um paradoxo na formalização da Umbanda: ao passo que Zélio de Morais deu à religião uma face pública e um grau de legitimidade, permitindo-lhe sair da marginalidade associada à “Macumba”, esse processo implicou um distanciamento de sua “matriz negra” e a supressão de “modelos de comportamento e mentalidade que denotam a origem tribal e depois escrava”. Isso revela uma tensão crítica na história das religiões afro-brasileiras: a constante negociação entre a sobrevivência e a legitimação dentro de uma sociedade branca dominante e a preservação das autênticas raízes africanas. As ações de Zélio, embora talvez pragmáticas para seu tempo, contribuíram para uma narrativa que minimizou as profundas contribuições seculares dos africanos negros, resultando em uma versão “embranquecida” da história.

Em algumas vertentes da Umbanda, essa busca por aceitação chegou a negar a origem africana da religião, buscando raízes na Índia e rejeitando elementos como tambores e “sacrifícios”. A Casa de Exu Capa Preta, busca explicitamente desafiar essa narrativa, reconhecendo que Zélio foi uma “ferramenta para que algo que já existia nas Macumbas Cariocas, fosse de acesso aos brancos e tirasse a figura marginalizada”, mas que, por conta dele, “muito do negro foi apagado”.

A Umbanda e Kimbanda como expressões ancestrais, muito anteriores à sua formalização

É crucial reafirmar que “muito antes de 1908, já existia no Brasil um universo espiritual pulsante, profundo e resistente”. Práticas como os pontos cantados, a crença em Orixás e entidades, o papel dos médiuns, o uso de elementos como bebidas, ervas e velas, a pemba para os pontos riscados, e o fenômeno da incorporação estavam presentes no Brasil “há muitos séculos”. Figuras como Luzia Pinta, Pai Gavião e Juca Rosa, e práticas como os Calundus e “giras coloniais”, são precursores que demonstram a continuidade dessa espiritualidade. A Umbanda e a Kimbanda são, portanto, “religiões originalmente brasileiras, mas que surgiram com base em elementos religiosos africanos”.

Apesar dos esforços de formalização e “embranquecimento”, elementos centrais como os Nkisi, os pontos riscados e a própria conceituação de entidades como Exu e Pombogira estão profundamente enraizados nas tradições Bakongo. Esses elementos já estavam presentes nas “Macumbas Cariocas” muito antes de 1908. Isso indica que, embora a estrutura formal possa ter mudado, a “gramática” espiritual subjacente, originária da cosmovisão Bakongo, persistiu. Essa persistência reforça a reivindicação de ancestralidade, demonstrando que a Umbanda raiz e a Kimbanda não são meras misturas sincréticas, mas descendentes diretas, embora evoluídas, de uma linhagem espiritual contínua da África, particularmente dos Bakongo. O foco na “raiz” implica uma busca por esses elementos fundamentais e persistentes.

A continuidade da Cosmovisão Bakongo em elementos como pontos riscados, Exu e Pombagira

A influência Bakongo na Umbanda e Kimbanda contemporâneas é inegável. Os pontos riscados continuam a ser uma forma de “assinatura” das entidades e uma ferramenta para manipular energias, com raízes nas práticas Kongo. A compreensão de Exu e Pombagira, com suas origens nos Nkisi Bakongo como Aluvaiá, Bombogira e Mpambu Njila, demonstra a continuidade de uma lógica espiritual africana na diáspora. Os Nkisi Bakongo são vistos como divindades da natureza e “intermediários entre os seres humanos e os outros Inkisis”, um papel que se assemelha ao das entidades invocadas na Umbanda e Kimbanda. A Kimbanda, em particular, baseia-se fortemente na tradição Bakongo, com seus pontos riscados servindo como sigilos para a conexão com espíritos e entidades.

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