Nesta parte, falaremos um pouco mais sobre os nomes citados anteriormente, descrevendo um pouco mais sobre nomes mais conhecidos do povo de umbanda e kimbanda raiz.
A travessia e a reexistência no Brasil Colonial
A brutalidade do tráfico transatlântico de escravizados marcou o início de uma nova e dolorosa fase na história dos povos Bantu, mas também de uma notável capacidade de reexistência e adaptação cultural no Brasil.
O tráfico transatlântico
O Brasil foi o maior receptor do fluxo forçado de africanos escravizados, acolhendo cerca de 5 milhões de pessoas entre os séculos XVI e XIX, quase metade do total embarcado para as Américas. Nos primeiros 50 anos, a preponderância era da Alta Guiné, mas em seguida, a região onde hoje estão Angola, República do Congo, Gabão e República Democrática do Congo – o coração dos povos Bantu e Bakongo – tornou-se a principal origem dos africanos desembarcados no Brasil. No século XIX, o tráfico de escravos também se iniciou a partir dos portos de Moçambique, especialmente para o Rio de Janeiro, que se tornou o principal porto negreiro do Brasil Império.
A viagem nos navios negreiros, conhecida como “Passagem do Meio”, era caracterizada por condições desumanas extremas. Centenas de africanos (em média, 300 a 500) eram aprisionados nos porões, em espaços tão baixos que não conseguiam ficar em pé, forçados a manter a mesma posição por semanas. A alimentação era escassa, resumida a uma refeição por dia. Muitos preferiam a morte a suportar tais condições, jogando-se ao mar ou recusando-se a comer, sendo alimentados à força. Essa travessia resultava em alta mortalidade.
A chegada dos africanos escravizados ao Brasil começou no início do século XVI, intensificando-se a partir do século XVII, quando o tráfico negreiro se tornou a base da economia colonial, especialmente nas plantações de açúcar, e posteriormente na mineração de ouro e produção de café. Essa migração forçada, embora motivada economicamente, representou uma transplantação massiva de diversas culturas, línguas e sistemas espirituais. Os escravizados não trouxeram apenas sua força de trabalho, mas suas cosmovisões completas, que se tornariam pilares da sociedade brasileira.
A formação dos quilombos como espaços de resistência e preservação cultural
Diante da brutalidade da escravidão, a resistência assumiu diversas formas, sendo os quilombos uma das mais poderosas. A palavra “quilombo”, de origem Bantu, significa “povoação”. Essas comunidades eram formadas por africanos escravizados que fugiram das plantações e engenhos, buscando refúgios em áreas remotas e de difícil acesso, como florestas, montanhas e pântanos.
Os quilombos funcionavam como espaços físicos de resistência, autossuficientes e com um relativo grau de organização social, econômica e política. Eles misturavam aspectos culturais da África com a experiência escrava no Brasil. O mais famoso e significativo foi o Quilombo dos Palmares, fundado por volta de 1605 na Serra da Barriga, em Alagoas, chegando a abrigar entre 11 mil e 20 mil habitantes em seu auge. Palmares não era um único assentamento, mas uma confederação de mocambos menores, com uma organização política e social complexa que refletia influências de liderança comunitária e confederações tribais da África Central. Essa organização demonstra que os escravizados não eram vítimas passivas, mas agentes ativos na preservação e adaptação de sua herança ancestral. Os quilombos atuaram como laboratórios de reexistência, onde modelos políticos e sociais africanos foram hibridizados com as novas realidades, um testemunho da resiliência da cosmovisão Bakongo e sua ligação direta com as raízes das religiões afro-brasileiras. Além de Palmares, centenas de comunidades quilombolas se espalharam pelo Brasil colonial, em estados como Bahia, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais.
Princesa Aqualtune e Ganga Zumba: Liderança e Organização do Quilombo dos Palmares
A história de Palmares é indissociável de figuras de liderança poderosas. A Princesa Aqualtune, filha do rei do Congo, é uma dessas figuras. No final do século XVI, ela liderou um grupo de cerca de 10 mil homens e mulheres contra invasores em sua nação, mas foi derrotada, presa e enviada como escravizada para o Brasil, chegando ao Recife em 1597. Aqualtune não se submeteu à opressão e, após se libertar, tornou-se uma figura central na resistência, fundando o primeiro núcleo do que viria a ser o Quilombo dos Palmares. Ela é reconhecida como mãe de Ganga Zumba e Gana Zona, e avó de Zumbi dos Palmares.
Ganga Zumba (1630-1678), filho da Princesa Aqualtune, foi o primeiro líder unificador do Quilombo dos Palmares, governando entre 1670 e 1678. Com sua habilidade e sagacidade, ele conseguiu unificar os diversos mocambos, transformando-os em um forte aparato que atraía não apenas escravizados fugitivos, mas também indígenas e brancos marginalizados. Ganga Zumba, cujo nome significava “Grande Senhor” ou “Grande Lorde” em Kimbundu, presidia o conselho de chefes dos mocambos a partir de sua “capital” em Cerro dos Macacos, onde possuía um “palácio” e súditos devotos. Sua liderança consolidou Palmares como um estado autônomo, que resistiu por quase um século aos ataques coloniais.
Após Ganga Zumba, seu sobrinho Zumbi dos Palmares (1655-1695) assumiu a liderança em 1678. Zumbi, nascido em Palmares, foi capturado ainda bebê, criado por um padre português e aprendeu a ler e escrever latim e português. Aos 15 anos, ele escapou e retornou a Palmares, onde rapidamente ganhou reputação por sua habilidade militar. Zumbi divergiu de Ganga Zumba ao rejeitar um acordo de paz com os portugueses que implicava a devolução de escravizados e a não aceitação de novos fugitivos. Ele preferiu continuar a luta, tornando-se um símbolo da resistência contra a escravidão. A guerreira Dandara dos Palmares, companheira de Zumbi, também é uma figura importante na resistência, lutando ativamente na defesa do quilombo.
Outros líderes quilombolas, como Benedito do Quilombo de São Mateus, no Espírito Santo, no final do século XIX, demonstram a persistência da resistência. Benedito era conhecido por suas fugas espetaculares e por liderar comunidades que viviam de fato como pessoas livres dentro da sociedade escravista, mesmo em áreas próximas aos centros urbanos.